19 de março de 2008

A Causa das Coisas


O post de hoje tem tudo o a ver com o meu útimo post e também com o último d' "O Desalinhado"... Porque é sobre um livro, esse livro é do grande Miguel Esteves Bardoso, fala de Portugal e por fim, porque o texto que vou deixar para "aguçar" a curiosidade fala de leitura e de portugueses. Enfim, tudo isso tem tudo a ver com os dois posts que antecedem este...


"A Causa das Coisas" de Miguel Esteves Cardoso, um dos livros da lista aí do lado, é acima de tudo um livro de humor; mas é também um enorme e profundo exercício de análise e crítica sobre o nosso país e as pessoas que o fazem... Mas tudo feito com muita inteligência, perspicácia, imaginação e o grande sentido de humor que muito poucos além do MEC têm neste país mas também, apesar de tudo, sem pretensões ou grandes arrogâncias.

E apesar dos seus já longos 21 anos, é um livro com uma actualidade e pertinência impressionantes.


O livro consiste em pequenas crónicas publicadas no inicio/meados da década de 80 no Expresso pelo autor e que partem das mais variadas coisas, palavras, expressões, tiques, defeitos etç que caracterizam bem o nosso povo e o estado (então, como agora...) da nossa sociedade, numa mistura mordaz de humor e crítica social. Alguns dos títulos paradigmáticos são "Alcatifas", "Arranjar", "Campismo", "Carinho", "Chatice", "Corrupção", "Couves", "Emigrantes", "É-o-que-é", "Indecisos", "Já agora", "Mecânicos", "Merda", "Neura", "Palitos", "Piropo", "Portugas", "Pressa", "Público", "Só sei"...


Ao ouvir isto percebe-se porque razão Miguel Esteves Cardoso é um dos mais irónicos e cómicos, mas atentos, escritores portugueses. Ao ler o livro percebemos porque razão é, a nível interno, uma grande referência, modelo e fonte de inspiração para a vaga refrescante de "novos" humoristas que têm surgido no nosso país nos últimos anos!!!!!!!! Muito respeito.


Eu ando a lê-lo há meses, vagarosamente, uma crónica aqui, outra ali... Já li outros livros entretanto; este vou lendo, disfrutando com prazer e vagar e só assim tem sentido; goza-se melhor o livro se for lido "a espaços" (expressão, a propósito, muito portuguesa...) como aliás o próprio MEC recomenda no prefácio : "Dito isto é necessário recordar que os artigos foram redigidos para serem lidos um de cada vez, com descanso intervalar de seis dias. Lê-los de corrida é, sinceramente, insuportável. Não é por modéstia, mas para me defender do cansaço alheio alheio, quye recomendo que sejam lidos levemente."


E deixo-vos uma das crónicas que gostei, chama-se "Ler":



“Ler

De todo o tempo que perdem os portugueses, não há eternidade como o tempo que perdem a não-ler. Durante o Verão, o país enche-se de turistas estrangeiros e quase todos – seja na praia, seja no hotel - andam quase permanentemente com um livro na mão. Esta estranha proclividade deixa o português perplexo: «Estes bifes são todos malucos – pagam um balúrdio para cá virem e depois, em vez de aproveitarem, passam o tempo todo a ler… Até usam o livro aberto para marcar os lugares!»
É o facto cultural mais assustador de todos – os portugueses não lêem livros. Em nenhum outro país da Europa é tão raro ver alguém a ler um livro em público. Causa genuína aflição vê-los a não-ler. Na praia, nas salas de espera, nos comboios, enquanto almoçam sozinhos, nos cafés… em toda a parte se vê uma população atarefadamente dedicada à actividade de não-ler. Porque é que não aproveitam estes tempos mortos?
Não se sabe. Uma das causas será o facto do português ter horror à solidão. Esteja onde estiver, e por muito entediada que seja a sua condição, o português prefere estar a olhar para os outros – os tais que, por sua vez (em vez de estarem a ler), estão a olhar para ele.
O Português tem medo de se mergulhar num livro porque isso significa deixar de “estar à coca”. Não pode estar em lado nenhum sem sentir que está de serviço, a controlar a situação. Olha os que entram, os que saem; os que ficam, os que voam e fazem “Bzzzz…”. Nem é só por bisbilhotice – é por desconfiança. Não pegam num livro porque têm medo de apanhar com uma paulada nas costas enquanto estão distraídos. Para um português, ler é estar desprevenido.
Os preconceitos contra a leitura são terríveis. Entre o povo diz-se que faz mal à digestão ler a seguir ao almoço ou ao jantar. A obsessão dos portugueses com a digestão merecia, só por si, uma crónica. Na TV, na campanha do “Há mar e mar”, aconselham um mínimo de três horas! E julga-se que passam essas três ridículas horas a ler?
Os contos de Bruxa não acabam aí! Existe também a noção grosseira de que ler «cansa a vista» porque «faz mal puxar muito pela cabeça». O típico brutamontes defende-se destas acusações dizendo que «ando a trabalhar todo o dia e, quando chego a casa, é para descansar, não é para ler». A realidade é triste mas tem de ser revelada: o português prefere cansar-se a trabalhar (e lembremo-nos que tem a capacidade singular de cansar-se muito a trabalhar pouco) ao descanso que seria ele ler (…)”

É isto… Este livro “nasceu” no mesmo mês e mesmo ano que eu; desde então muito mudou neste país!!! Mas terá mudado assim tanto?
Deixo mais dois excertos de crónicas:

“Arranjar
Em Portugal, como todos sabem, é muito raro conseguir seja o que for. Em contrapartida tudo se arranja. O arranjar hoje é a versão portuguesa do conseguir. É verdade que “Quem espera sempre alcança”, mas como ninguém está para esperar, em vez de alcançar o que se quer, arranja-se outra coisa qualquer.
No fundo é talvez por não se terem as coisas que elas se têm de arranjar. Não se tem tempo, mas arranja-se. Já não há bilhetes, mas conhece-se alguém que os arranja. Ninguém tem dinheiro mas vai-se arranjando para o tabaco.
O próprio sistema político, económico, cultural, social estimula uma atitude para com o cidadão que se traduz pela expressão ”arranjem-se como puderem”. E o cidadão lá se vai arranjando. O mais das vezes este apelo constante ao improviso, à cunha e ao desenrascanço leva aos piores resultados. A continuar assim, o país está bem arranjado (…)”


“Já agora
Há uma instituição portuguesa que é única no mundo inteiro. É o “já agora”. Noutras culturas, tratar-se-ia de um pleonasmo. Na nossa, faz parte do pasmo.
O “Já agora” e a variante popular “Já que estás com a mão na massa…”, significam a forma particularmente portuguesa do desejo. Os portugueses não gostam de dizer que querem as coisas. Entre nós o querer é considerado uma violência. Por isso, quando se chega a um café, diz-se que se queria uma bica, e nunca que se quer uma bica. Se alguém oferece, também, uma aguardente, diz-se “Já agora…”. Tudo se passa no pretérito, no condicional, na coincidência (…)”

Espero que com estes exemplos fiquem interessados em ler mais… "A Causa das Coisas", Miguel Esteves Cardoso.

Eu recomendo vivamente, mas com moderação!!!! :P

Hasta

2 comentários:

Anônimo disse...

quantas paginas tem o livro?
rsp para: aninha_piedade@hotmail.com

dpressa pfv

Anônimo disse...

a ideia do autor a cerca do relacionamento não está actualizada, porquê ?