17 de março de 2008

O regresso dos que não voltaram

Em primeiro lugar, desculpa a todos por esta ausência mas a vinda de amigos aqui fazer uma visita à capital europeia, não me permitiu tempo algum junto ao computador.

Desculpas – já diziam os grandes defensores, e muitas vezes abusadores de tradições académicas – não se pedem, evitam-se. Ora logo aqui depara-se me um problema. Sendo certo que já não a posso evitar, pois o “mal” está feito, será que não tenho direito a desculpa? Pois devo evitar fazê-lo, e isso ainda está no meu controle, ou por outro lado significará que quando se erra não se deverá pedir desculpa? Ou então só se deverá pedir desculpa de não se ter podido evitar o acto erróneo? Mas aí voltámos ao problema inicial pois acabámos de pedir outro tipo de desculpa.

As desculpas pedem-se, devem-se pedir, quando não podendo ser evitadas.


Mas o que me trás aqui hoje é primeira crónica “Livro do Momento”. E como vocês se têm portado bem e eu muito mal vou tentar fazer uma espécie de 2 em 1, visto desde que tive esta ideia já me posiciono na leitura do 3º livro.

Uma família inglesa – Júlio Dinis
Bem, este é um livro que dá logo vontade de recuar um século, século e meio, para conhecer um Porto que me parece muito mais atractivo que o actual. A um portuense como eu, este livro é capaz de dizer mais um bocadinho do que às gentes de outros lugares, já que os nomes das ruas que ficam se opõem às descrições dos locais, muito dos quais já não existem, pelo menos na configuração dada por Júlio Dinis.

Tendo sido nos últimos 4 anos, antes da sua morte que escreveu as suas obras mais importantes, este escritor consegue em “Uma família inglesa” demonstrar sentimentos experimentados pelo ser humano de uma forma tão simples, tão real e por isso tão genial.

Não esperem um grande enredo, e não o é, diz-nos o próprio autor no início do livro. É apenas a descrição do dos dias de uma família britânica no dia-a-dia portuense. Muito interessante. Aconselho vivamente a quem goste de ler por ler, pela beleza da escrita, pela leveza da descrição pelo ganho de cultura e não só porque existe esta ou aquela labiríntica intriga. Porque não há e disso somos avisados, mas ao ler “Uma família inglesa”, não nos importamos.

“Era Cecília; adivinhou Carlos que era, ela antes de a reconhecer. Com a aparição ficou mortificado e contente; outra vez o mesmo fenómeno paradoxal.
Apressou logo os passos e tomou uns ares de homem atarefado, como se quisesse dar a entender que a sua passagem por ali era puramente casual ou motivada por negócio urgente.”

Autor português, numa altura em que nós, os portugueses atravessamos uma crise de identidade, é a este tipo de laços que nos temos de agarrar, pois continuamos a ter coisas de que nos podemos orgulhar.

Júlio Dinis morreu novo, 31 anos com tuberculose, doença que atingiu toda a sua família. Hoje tivemos Figo e Jorge Sampaio em Londres a fazer campanha contra esta doença.

Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas há coisas que temos e devemos enaltecer.



O atentado – Yasmina Khadra
Bem confesso, que quando peguei neste livro foi com o intuito de perceber um pouco mais do contexto da guerra entre Israel e Palestina. Saí desiludido. Se calhar parti com uma ideia errada sobre o que iria encontrar. Quando abordamos um livro desta maneira corremos sempre um risco.

O contexto historico, raramente é mencionado, alguns lugares são explicitados, mas não explicados. No entanto é nos tentada dar alguma das motivações de ambos os lados para se comportarem da forma que vemos todos os dias nos jornais e televisão. Consegue em parte.

O Atentado, tem utilidade de nos fazer tentar perceber como é que pessoas que vivem vidas teoricamente normais são no entanto as primeiras a ser parte de uma rede terrorista. Como é possíveis maridos não saberem das vidas paralelas das mulheres e perderem-se irmãos e irmãs para uma guerra onde, a meu ver ao longo do livro vai perdendo toda a sua lógica, que se calhar jamais teve. Isso é bem explicado.

Andamos num círculo onde começamos em morte e acabámos enterrados. Pessoas morrem nada se avança, nada faz sentido, mas não para elas, para quem morre para quem está na luta tudo tem mais senso que para nós que acompanhamos de lado, não estamos lá, não vivemos, criticamos mas não estamos lá. Não vivemos naquele mundo. Não há verdades imaculadas, mas sinto que fica alguma coisa por dizer. Não ficará sempre nas guerras?
Sente-se a desilusão do autor, e quanto a mim é essa a beleza do livro. No entanto não é um livro que eu ache indispensável, mas lê-se muito bem e descreve uma realidade que não é a minha, e que por muitas vezes fica infelizmente esquecida.

“Vasculho a fundo as lembranças, em busca de um pormenor susceptível de tranquilizar a minha alma; não encontro nada de probante. Entre nós tecia-se o perfeito amor – nem uma só nota falsa parecia perturbar as serenatas que o saudavam. Não precisávamos de falar, dizíamo-nos um ao outro, como proclama o contador de abençoados idílios. Se ela gemia por vezes, julgava ouvi-la cantar, pois não podia suspeitar que estivesse na periferia da minha felicidade quando a encarnava completamente. Só uma vez falara em morrer.”

Leiam para se lembrarem.

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